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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Reencontro

Mesmo com 55 anos de vida, uma infância comum com pai e mãe, um namoro aos 15, que segundo ela, um rapaz não muito bonito, um pouco chato, por ser romântico, ela contava sua vida, incrivelmente linda. Algo, de muita luz, brilhava em seus olhos, mostrava o seu sorriso um pouco tímido. Eu sentia que ela queria falar de sua felicidade e estimulei-a a falar.
Contou-me que morava em uma cidade pequena e que após os 18 anos mudo-se para um centro maior, em vista de trabalho. Conheceu seu marido, teve 2 filhos, uma vida também normal até seu marido tornar-se um adito ao álcool.Vício que acabou com a sua família e que a fez pedir ou exigir a separação depois de 30 anos bem e mal vividos.
Continuou trabalhando, vivendo para os filhos que casaram e que lhe permitiram uma vida com mais reflexões, mas sem grandes variações de humor, de expectativas, uma vida “morna”.
Tudo mudado, 180 graus, ao receber um telefonema daquele namorado romântico, chato. Quarenta anos depois, ela ouvia novamente a sua voz, ele a procurara por tanto tempo. Combinaram um encontro na cidade de seus pais e que não deveriam ter nenhuma pista para o reconhecimento.Ela alertara que havia mudado não era mais aquela menina e ele até sabia que seu cabelo não era mais negro.
Ela chegou mais cedo, e do primeiro piso poderia vê-lo. Vários carros chegaram, muitos partiram e ela esperava. E, de repente,não montado num cavalo negro e sim numa camionete, ele chegou, ela sabia que era ele,só sabia e num gesto de felicidade ela ergueu os braços e acenou repetidamente. Ele a viu e amou o seu abraço.
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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Climatério

Ela estava assustada, sua vida, sua cabeça estavam mudando. Estas mudanças estavam em seus pensamentos, em seu corpo, em seus desejos. O tempo tornara-se breve, a sensação de pouco tempo, de vida curta era real e precisava correr.Correr para fazer tudo o que desejava ainda.Seus filhos precisavam estar prontos para viverem com as próprias pernas, ela, até então, funcionava como muletas. Para todos, eram adultos, mas para ela, ainda, eram crianças tropeçando nos tapetes e seus vestidos como cipós para eles.
O tempo corre e como largá-los sozinhos para caminharem? Como viver ainda os seus sonhos?Como ser a mulher, a amante que ambicionava ser? Como ter a casa sem roupas por todo lado, a mesa cheia de pratos para o almoço? Ela queria a paz sem crianças dormindo, ela queria poder ir e vir sem preocupações.
Ela chorou, gritou e seu grito a despertou, era chegada a hora de viver no seu espaço, de caminhar pela praia, gastando poucas calorias, passear porque tinha vontade de molhar os pés na água. Andar sem ter hora para chegar,sem ter que dar respostas,desculpas.Ela queria saber dos filhos já homens, pessoas responsáveis, tocando as suas vidas, para ela viver a sua, agora, tão breve vida.Sempre tivera estas responsabilidades como prioridades, mas era chegada a sua vez de viver, não como uma idosa, que se satisfaz com os domingos de casa cheia de netos e filhos gritando por tudo e com todos, com risadas na sala, com choro de crianças. Era chegada a hora de cortar o cabelo, pintá-lo de cor diferente, de viajar, de fazer casa nova, de ter com o seu marido um romance de cinema, sem medo de portas abertas. Hora de tomar um bom vinho e acordar numa manhã de chuva, ouvindo os pingos baterem na janela, sem pressa de levantar.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ninho em árvore de pedra.
Não sei nada da tua vida,fica o silencio da ausencia.Um silencio que machuca, mas que aceito para poder viver. Preciso viver sem noticias, preciso pensar que segues a tua vida paralela a minha.
Somos como dois desconhecidos, e no entanto fomos tão intensos no amor,na perda, na saudade.
A ti dediquei, em silencio, a minha vida, os mais lindos sonhos e também a dor mais dolorida. A dor de ter que conviver com a certeza de não te ter mais e sentindo até hoje o teu cheiro.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011




...Que minha solidão me sirva de companhia.           
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Clarice Lispector

Árvores cortadas

Não ouviram o seu grito, não viram seus braços erguidos pedindo clemencia, vieram, cortaram seus galhos e a sombra se desfez.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fora de mim


"É a pior morte, a do amor. Porque a morte de uma pessoa é o fim estabilizado, é o retorno para o nada, uma definição que ninguém questiona. A morte de um amor, ao contrário, é viva. O rompimento mantém todos respirando: eu, você, a dor, a saudade, a mágoa, o desprezo – tudo segue. E ao mesmo tempo não existe mais o que existia antes. É uma morte experimental: um ensaio para você saber o que significa a morte, mesmo estando vivo, já que quando morrermos de fato, não saberemos.”


Martha Medeiros

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

RECAPITULANDO



Este ano, desejo que o amor próprio seja o primeiro, em cada gesto, em cada olhar para que o seguinte, o segundo seja uma consequência, naturalmente...
Quero pensar que 3ª idade, tem tudo de bom, que não preciso mais pagar transporte público, que vou ter o lugar vago para mim, que comer é permitido sem contar calorias, fila de banco, supermercado, jamais!
Tive sorte, estou com saúde, estou lúcida, tive os filhos que eu gostaria de ter, todos diferentes, mas verdadeiros, tenho até um neto muito amado. Tenho amigas eternas, irmãos que adoro, e que me fazem pensar, às vezes, se valeu deixa-los, para seguir o meu caminho, este que fiz ao virar uma rua qualquer, e que de repente me fez viver uma vida diferente, daquela que eu imaginava. Tenho cunhas, noras, sobrinhos, sobrinhos netos, logo sou uma senhora.
Ainda bem que tenho tios e primas maravilhosos que me fazem sentir menos senhora.
Tantos sonhos eu tive, ainda tenho uns na manga, tantos sonhos realizei, tantos não consegui, tantos eu perdi.
Estou com saudades de mim, hoje.
Estou com saudades da minha juventude, acho que todo mundo tem, um pouco, pelo menos. A saudade é tanta, de todos, que me preparo para um dia especial para matar esta saudade. E me vejo imaginando este dia, sonhando com este dia. Dia de rever a família, os amigos, aqueles que nunca esqueci, daqueles que estou com saudades.
Amo meu trabalho, preciso dele, é também a minha terapia, ele acalma a alma.
Cinquenta anos são para parar e pensar. Vou daqui a pouco pertencer a 3ª idade. Não vi nem a primeira, nem a segunda passar. Foram tão ligeiras, as ingratas. Deixaram-me agora a esperar a terceira. Como não suspeitei?
Como se vive agora? Sou uma senhora com cabeça de primeira? Não, sei que a minha cintura cresce os quadris não tem a mesma medida. Lembrei agora da minha mãe costurando as 22:00h  para que eu pudesse sair as 23:00h, não precisava alargar as costuras era só deixar mais curto.
Às vezes sou tia, isto é muito bom, ameniza. O pior é quando disserem:- A senhora quer sentar? Quer um pouco de água? A senhora não está bem?
Quero passar por uma construção e receber um assobio, como diz a minha amiga.  Sempre tem um para isto, deve deixa-los mais machos, pelo menos serve para alimentar o ego.
O meu corpo não tem a minha cabeça, continuo apaixonada pela vida. A minha vida precisa ter tantas coisas ainda... Continuo médica dos pés a cabeça. Sou mãe em todos os poros. E, amante em segredo, Ah! Ah! (calma isto é figuração)
O que sinto são as perdas. Perdi pessoas tão importantes, não vitais porque continuo viva. Mas quase morri me senti órfão, viúva, abandonada. É muito doloroso passar por tantas perdas e seguir sem elas. Incrível que a gente continua vivendo. Dói na alma, a dor é física, mas permite que a gente siga. E os vivos que se foram?
Será que até agora fui gente, uma pessoa legal? Fiz o meu papel? Só sei que fiz o que pude, o que sabia. Sei que não sou tudo, mas faço parte, faço a minha parte.
Sei que aprendi a viver com saudade, com a saudade de mim, com a saudade dos que já foram e a saudade do que perdi.
Bem, para mim e de quem tenho saudades, BOAS FESTAS!


"Existe duas dores de amor. A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão envolvidos que não conseguimos ver luz no fim do túnel.
A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.
Você deve achar que eu bebi. Se a luz está sendo vista, adeus dor, não seria assim? Mais ou menos. Há, como falei, duas dores. A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por ninguém. Dói também.

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um suvenir de uma época bonita que foi vivida, passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação com a qual a gente se apega. Faz parte de nós. Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente e que só com muito esforço é possível alforriar.
É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a dor-de-cotovelo propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: eu amo, logo existo.
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente. "

Martha Medeiros